Fundado pelo editor e colunista Neil Morgan e o empreendedor Buzz Woolley, na Califórnia, o site de notícias Voice of San Diego foi a primeira organização nativa de mídia digital sem fins lucrativos dos Estados Unidos a nível local. Isso foi ainda em 2005, quando a fragilidade do modelo de negócios do jornalismo baseado em anúncios era mais uma indagação do que uma certeza. O jornalismo online sem fins lucrativos estava longe de sofrer o boom dos dias de hoje e ainda não se discutia a possibilidade de alguém pagar por notícias gratuitas.
Graças ao esforço para construção de uma forte comunidade de leitores engajados, uma linha editorial única, fontes de receita altamente diversificadas, constante inovação e olhar atento para novas oportunidades de receita, a organização segue forte 12 anos depois como um caso exemplar de sustentabilidade e independência do jornalismo na era digital. A seguir, resumo o que aprendi sobre a operação de negócios do site de notícias durante o período em que estive na sede da empresa.
Foco nos grandes problemas
Assim como tantas outras organizações de mídia independente, Voice of San Diego nasceu do desejo de se produzir jornalismo em maior profundidade, de teor investigativo e analítico. Para isso, foram traçadas diretrizes de reportagem muito bem definidas, que diferenciam as práticas do veículo da maioria das redações tradicionais.
Uma das regras fundamentais: se todo mundo está escrevendo sobre a mesma história, Voice of San Diego não irá escrever. A não ser que possa fazê-lo diferente. Diante de qualquer história em potencial, um repórter deve se perguntar: por que eu escolhi esta história? Por que as pessoas se importam? (não porque elas deveriam se importar, mas porque elas vão se importar) Elas vão se lembrar dessa história depois? As diretrizes também determinam que não se deve simplesmente contar o que está acontecendo, mas qual o significado por trás daquilo.
Com esse tipo de direcionamento, Voice of San Diego tem produzido jornalismo que gera impacto. Por exemplo, uma investigação sobre irregularidades na SANDAG, a agência de planejamento regional, resultou em uma nova lei para reformar a diretoria da entidade. Já uma série de reportagens sobre a fragilidade do regulamento das águas pluviais da cidade obrigou autoridades locais a realizarem workshops para debater o tema.
Grandes resultados como estes – que são informados aos leitores em relatórios a cada nova estação, dada a sua grande quantidade – são obtidos por um time incrivelmente pequeno de repórteres. Atualmente, são cinco. Eles se dedicam a temas normalmente negligenciados por grandes redações: organizações sem fins-lucrativos, sem teto, uso do solo, recursos hídricos e educação. Eles são comandados por um editor assistente, uma editora chefe e uma editora de engajamento.
“Nós resistimos por tanto tempo graças à nossa implacável e apaixonada busca pelo jornalismo investigativo e ao nosso foco. Temos um conjunto de valores. Nossos repórteres escrevem com paixão sobre grandes problemas, não pequenos problemas. Eu acho que o jornalismo às vezes foca nos pequenos problemas porque eles são menos controversos”, observa o CEO Scott Lewis. Com esse formato editorial, Voice of San Diego não apenas gerou impactos positivos em sua região como também conseguiu criar um produto de valor para os seus leitores e essa é uma das chaves para a saúde financeira da organização.
Diversificação de receita
O site foi criado com o investimento inicial de seus fundadores, mas diversificou ao longo do tempo suas fontes de renda para conseguir pagar as contas. Atualmente, se sustenta com o dinheiro vindo do conselho administrativo, de fundações, produção de conteúdo para outros veículos de mídia, patrocínios e doações individuais dos leitores. Por trás disso, há um time responsável por assegurar essas operações. Há uma diretora de desenvolvimento, encarregada de prospectar novos patrocinadores e parceiros, uma publisher responsável por desenvolver novos produtos e uma gerente para planejamento de eventos para membros.
A verba vinda do conselho administrativo e de fundações (como a Knight Foundation, Leichtag e Open Society) corresponde à maior fatia. A produção de conteúdo para outros veículos de mídia, mais precisamente dois segmentos semanais para a NBC local, é a fatia menos representativa no momento. Mas é altamente relevante do ponto de vista do alcance, pois projeta Voice of San Diego para uma audiência muito maior, funcionando como uma poderosa ferramenta de marketing.
O dinheiro vindo de anúncios e patrocínios também ainda é pequeno, mas é uma amostra interessante sobre como é possível receber dinheiro de empresas sem comprometer a linha editorial do site. O site tem uma seção chamada Partner Voices, exclusivamente composta por conteúdo patrocinado por empresas. É um tipo de conteúdo patrocinado com foco bem definido: ele traz histórias de organizações sem fins lucrativos que estão gerando impacto social na região de San Diego, algo totalmente alinhado com os valores da organização. Funciona assim: uma grande empresa patrocina a história de uma organização sem fins lucrativos e tem a sua marca exposta acompanhando a história. Para eliminar qualquer possibilidade de contágio entre editorial e comercial, freelancers são contratados para escrever estas histórias.
Jornalismo de serviço sustentado por adesão
Com peso intermediário na receita, mas cada vez mais relevante, estão as doações vindas dos assinantes. É possível doar uma única vez qualquer valor, ou fazer doações mensais que começam em US$ 5. O valor médio anual de doação é de US$ 100. Quem se torna um membro e dá contribuições mensais ganha benefícios, que variam conforme o valor da doação – acesso gratuito ou com desconto a eventos realizados pela organização, encontros com o staff, dentre outros.
Voice of San Diego também realiza três grandes campanhas de crowdfunding ao longo do ano, momentos nos quais busca não só arrecadar dinheiro de doações isoladas, como também transformar estes doadores em novos membros que farão doações mensais.
Engajamento e conscientização
Atualmente, o site tem 2.800 leitores que fazem doações. Foram conquistados e convencidos a pagar por um conteúdo que está disponível gratuitamente porque perceberam valor nas investigações produzidas pela equipe e porque houve um trabalho de engajamento dessa numerosa comunidade. Conforme nota Scott Lewis, além do foco nos grandes problemas, o que torna Voice of San Diego uma organização bem-sucedida é também “o esforço em ser acessível para a comunidade. Eles podem falar com a gente, participar de cafés para membros, dar retorno. Nosso modelo de negócios é baseado na comunidade dando valor a Voice of San Diego o suficiente para manter nos apoiando”.
Fora engajamento, conscientização também é uma palavra importante neste processo. Os leitores de Voice of San Diego que pagam pelo trabalho da organização o fazem não só porque são conscientes do valor do jornalismo produzido, mas porque também são conscientes das necessidades financeiras da organização. A publisher Mary Walter-Brown tem todo um trabalho para educar os leitores sobre as necessidades e a estrutura da empresa, a fim de que eles entendam que a continuidade dos trabalhos depende de suas doações.
Desafios
Crescer o número de membros é um objetivo constante para Voice of San Diego. A médio prazo, o desejo é passar de 2.800 para 5.000. A longo prazo, o objetivo é chegar aos 10 mil, um número considerado adequado para o tamanho da comunidade servida pelo site.
Para tanto, segue o trabalho de conscientização dos leitores e também de fortalecimento da relação com aqueles que já são membros, para que eles continuem renovando suas assinaturas. Nesse sentido, Voice of San Diego realiza eventos mensalmente para estar perto de seus doadores.
Como mencionou Scott Lewis, há os cafés nos quais é possível trocar ideias diretamente com ele e demais repórteres. Há grandes eventos, como o Politifest, um seminário de política com formadores de opinião, e também eventos mais descontraídos, como a Trivia Night, um tipo de evento tradicional nos Estados Unidos. Toda a equipe foi para um pub disputar um jogo de perguntas e respostas sobre cultura pop e esportes com os moradores da cidade. A noite de diversão serviu para arrecadar fundos e também para mostrar um outro lado da organização, mais leve.
Outro desafio é diversificar ainda mais as fontes de receita. Atualmente, a equipe trabalha para obter receitas de duas novas fontes. Uma delas é a produção de podcasts em seu próprio estúdio. Voice of San Diego vende anúncios para veicular durante os podcasts da organização e aluga o estúdio para produtores independentes.
A segunda delas mostra o quão exemplar e bem-sucedido é o modelo baseado em assinaturas implantado pelo site. É o News Revenue Hub, um serviço de gestão de programas de assinaturas para outras organizações de mídia digital sem fins lucrativos. Em outras palavras, Voice of San Diego construiu um programa de adesão tão bem sucedido que agora é capaz de monetizar sua expertise. O hub começou como um projeto piloto em novembro de 2016 com cinco organizações de mídia. Hoje já são dez e há uma lista de espera. Um sinal claro sobre como apostar no jornalismo financiado pelos próprios leitores é um caminho seguro para a sustentabilidade.